Sunday, February 17, 2013

a procura

nunca vou descansar de procurar
te
enquanto nao encontro
te
o síndrome louco da busca
qualquer passo
qualquer gesto
num tédio infinito de perda
que ofusca
te

a simples hipótese de perder o lugar
do momento onde vejo
te
culmina nesta dor
que de já física
impede as palavras aos que não são
te
de sairem antes de sairem claras
com um espesso manto assertivo
como um inventar de nebulosa
de desculpa
te

o problema da aquisição de um amor
infinito de dádiva
onde cada gesto
pertence
te
cria uma existência desarrumada
de coisas por fazer
culpas de não agir
intercâmbios sem rosto
só porque esse amor não dorme
te

na insónia deste vago
do sono poluído
cabem momentos de mentira em que
o desejo
te
se transforma
te
em momentos como este
na escrita do sonho
te

Friday, February 15, 2013

revolução

Hoje, quando ví o vídeo em que o público interrompe o primeiro-ministro no plenário da assembleia da republica, entoando a Grândola, fiquei a imaginar o que seria se os polícias encarregues do despejo, em vez disso se juntassem àquelas pessoas e cantassem com elas.
Quem os poria fora então?
Isso é que era revolucionário!
Emocionei-me ao imaginar esse cenário neste meu romantismo bacoco.
Quando voltei ao sério fui assaltado por algumas questões. Foi como se de repente, despisse da farda os polícias e vislumbrasse a pessoa de cada um deles.
Que raio de poder fez com que, em vez de se juntarem ao canto, cumprissem as ordens de despejo? Afinal são povo também.
O que terão sentido naquele momento? A Grândola, para mim, não é uma música ou sequer uma canção. Faz parte do meu sistema nervoso central que quando, num espontâneo momento como este, aperece, coloca-me de imediato com 11 anos na Avenida dos Aliados, nas comemorações do 1º de Maio de 1975 onde, mais de 1 milhão de pessoas entoavam a Grândola em uníssono a chorarem compulsivamente. Eu, que pela idade que tinha tive direito a uma visão previligiada aos ombros de um saudoso amigo da minha mãe, percebi, ali, a chorar com toda a gente, o que queria dizer 25 de Abril e o sinónimo da palavra Revolução.
Terão aqueles polícias, que diga-se, de uma forma respeitosa e educadamente, evacuaram aquelas pessoas daquela que se deveria chamar, e ser, a casa do povo, a noção deste meu 25 de Abril (meu, portanto nosso)?
Ter-se-ão apercebido que tinham ali, na mão, num único gesto de cantar, a possibilidade de fazerem outra vez revolução com uma só flor-canção?
Será que sou só eu que imagino este cenário?
Afinal eles, polícias, também são vítimas desta crise de identidade social, em que meia-duzia de energúmenos minam a vida de biliões de pessoas impunemente, e em que não se vislumbra maneira de os meter na pildra por estes crimes hediondos de lesa-vida.
Continuando neste cenário imaginário, juntar-se-lhe-iam os deputados?
Passavam logo em directo as televisões e, se calhar, Portugal acordava de novo nesta Grândola, esta força da natureza que exuma de mim no tempo, dissecando os mas ínfimos poros deste meu ser pelos outros.

Nesta altura do meu desemprego negro, da vitalidade perdida na não solução da minha vida, no meu culpar de mim, para mim, comigo, consigo no entanto sorrir de ser este romantico bacoco. Afinal, hoje, fizeram-me sonhar e gritar dentro de mim:

Viva o 25 de Abril

A Grândola, essa, não a consigo cantar
porque choro compulsivamente

Friday, February 8, 2013

a minha desalma

queria chorar num ombro sem rosto
onde não temesse a vergonha da culpa
que sinto
o consolo do sal que perdi
no desvaneio da indifrença
com que cometi os pecados desta dor

a mente, mente
como sempre

hoje mentia diferente
mas já não sei como enganar-me a mim

olho agora para o meu todo
este resto que sobrou
do sonho antigo

que me deu para sonhar que agora seria outro o mundo?
realizar tarde
dizem outros
ainda cedo
que nem os sítios mudam
fosse eu outro sonho
melhor seria
a sua ausência
talvez

mantem-se, no entanto, esta voz
gritante
dentro de mim
sem descanso
a julgar
a profetizar
a opinar
a sentenciar
e
a tentar iludir-me

esse dia já fora,
agora
grita neste nada

- está calada estúpida!

susurro eu como marido cansado da vida cinzenta ao lado da rela ofegante alienada do trabalho caseiro da esfrega das pratas na sala que não se usa, nunca se usa. vida reduzida na preguiça do futebol e na saudade dos corpos desejados
não descubro o silêncio, tudo buzina num constante despejo, como se ninguém se deixasse ser, estas vidas de constante justificar o incomodo de não se poder deixar ir
e
como num grito
deixar acontecer
contigo
sim
contigo
e com o outro
e este
e ela
e até ontem
também

e não deixo
não me deixa
a voz